quarta-feira, 10 de junho de 2015

Entrevista ao fanzine Quem somos nós? - vol. 2

Quem somos nós? – n. 2 de Fábio da Silva Barbosa

Uma entrevista que respondi no final de 2014 ao amigo e fanzineiro Fábio Barbosa, acaba de sair no fanzine “Quem somos nós?”, nº2, que pode ser baixado aqui: http://pt.slideshare.net/ARITANA/quem-somos-ns-volume-2. Resolvi compartilhar minha entrevista devido ao teor acerca das respostas que teço sobre a importância dos fanzines, suas conceituações e pertinências à área acadêmica também, nesse meu blog.
Espero que apreciem a leitura (e baixem o zine caso se interessem por ler mais, pois nele há outros entrevistados na área de zines e HQs como Denílson Reis e Márcio Baraldi).



Cinco perguntas para Gazy Andraus
Sempre envolvido com quadrinhos, fanzines e revistas independentes, Gazy Andraus fez de sua paixão objeto de estudo, estilo de vida e razão para seguir em frente. Embora já acompanhássemos o trabalho um do outro faz tempo, foi nesse ano que nos esbarramos pessoalmente durante uma visita a Fanzinoteca Mutação (Rio Grande), do grande Law Tissot. Foi uma boa oportunidade para trocarmos ideias e impressões. Confesso que não estava nos meus melhores dias para contatos (eu estava bem introspectivo e sem muito ânimo para falar), mas acho que conseguimos nos sintonizar.
Bem, cada um com seu cada um. Foi um dia proveitoso, onde todos se divertiram muito, aprenderam, houve troca de material, atividades interessantes, momento cerveja... Enfim... Correu tudo bem e apertamos laços que já vinham se formando virtualmente. No próximo final de semana nos reencontraremos no Mutação (evento produzido por Denílson Reis e que faz parte da Feira do Livro de Porto Alegre). Como eu estava querendo enviar algumas perguntas para serem respondidas por alguns amigos, resolvi começar por essa figura. Pensei então nessas cinco perguntas que estão devidamente respondidas a seguir.
Forte abraço, mano Gazy.
E até o final de semana

Como se deu a aproximação com os zines e como esse contato virou seu atual trabalho?
Comecei sem saber o que eram os fanzines. Mas foi de 1986 a 1987, na cidade de Santos, que os passei a conhecer apresentados pelo Flávio Calazans que editava o Fanzine Barata (cooperativado por alunos do curso de Comunicação da Unisantos, como Alexandre Barbosa, Feijó e outros). Na verdade, uns dois anos antes, vi exemplares do Barata sendo lidos por um amigo e quando observei o conteúdo achei fenomenal, pois era diferente de tudo que existia: uma mixórdia criativa de cartuns, HQs, críticas e conceitos que até então eu não via em nenhuma revista daquela época, e tudo numa revista de impressão simplesinha de gráfica, chegando a se igualar ou até ser inferior que uma xerox (isso porque, como fui saber depois, ela era feita numa chapa de papelão num sistema mais barato pela gráfica da universidade). Assim, quando fui reapresentado verdadeiramente ao Barata, mostraram que era possível publicar as HQs que eu viesse a fazer, já que eu disse que gostava, mas estava meio “parado” e cansado dos quadrinhos de superheróis.
Então, comecei a produzir HQs curtas e publiquei pela primeira vez na vida, no Barata nº. 13 um novo estilo de quadrinhos para mim, que se tornaram poéticas, ou fantástico-filosóficas, enviando as novas que fui fazendo para zineiros do Brasil todo, como o Tchê e Quadritos, ambos do Sul, Barata de Santos/SP, Phobus de Minas Gerais, Tyli- Tyli da Paraíba e outros como “Só Uma?” de Piracicaba/SP e até em Portugal (Vôo da Águia) e França (La Bouche Du Monde). Em 1993/94 criei uma compilação, o “Homo Eternus” que foi co-editado pelo Edgard Guimarães e divulgado em seu IQI (que depois passou a ser chamado de QI). Em 1996 fui aceito no mestrado em Artes da UNESP e inseri na dissertação um tópico sobre os zines, reiterando isso na tese de doutorado da USP, finalizada em 2006, embora em ambos o foco tenha sido mais as HQs e sua importância como arte necessária (lembrando que os quadrinhos no Brasil
foram impulsionados nas décadas de 1980 e 90 pelos fanzines e por isso esses mereciam sempre aparecer). Como nunca larguei os fanzines, achei por bem ir escrevendo artigos também sobre eles, mas as pesquisas se ampliaram graças às ideias do saudoso amigo Elydio dos Santos Neto, que para usar os zines em aulas de mestrado na Pedagogia os rebatizou de Biograficzines, chamando-me para ministrar com ele. Depois fizemos um artigo que foi publicado no livro “Fanzines-Autoria, subjetividade e invenção de si”e agora minha intenção é tentar um pós-doutoramento pesquisando questões artísticas nos zines que estão em constante mutação e ebulição.

Zines na era digital:
Acho que têm seu lugar, mas não tanto como quando os zineiros foram afoitos às mídias eletrônicas em seu início, pois os fanzines físicos têm suas particularidades e excelências nas possibilidades de se “pôr as mãos na massa” e também nas possibilidades de impressão e fotocopiagem em vários tamanhos (do A-5 ao A-6 e até menores...ou maiores!).
Porém, penso que os blogs têm um pouco do espírito anárquico zineiro (uma mistura de diário pessoal com fanzines, embora muitos dos blogueiros nem saibam disso).

Por que fazer um zine?
Alguns têm aquele espírito de experimentar e se tornar profissionais, usando os zines como laboratórios. E isso é válido. Mas, atualmente, o mais importante – e com as mutações por que os zines passam – é o espírito de se fazer um fanzine que se consolida em buscar a auto-edição das próprias ideias travestidas em artes, HQs, poesias, pesquisas etc, tudo isso numa revista de produção semi-artesanal própria, e mais que tudo, levando tais ideias para outros, comungando-as livres da assombração comercial ou do intento de lucro. Só por essas premissas, fazer e enviar e trocar um zine se torna algo que deveria ser o comum na civilização em relação à grande maioria dos outros afazeres: o espírito fraterno de trocas sem visar outros objetivos que não a confraternização e ampliação de ideários e diálogos. Além disso tudo, claro, a vontade de ver impressas as idéias, as criações, as HQs... Como algo de nós mesmos, sem imposição de mercado e sem morrermos sem nunca termos espraiado nossas criações!

Qual a importância de levar a cultura de rua para o meio acadêmico?
O meio acadêmico tem sua importância, pois gerencia e organiza a inteligência no reconhecimento de tudo na vida, na Terra e até fora dela. Mas tem um grave defeito: a soberba, a arrogância cristalizada pelo imperioso cérebro racional (o lado inteligente, mas não criativo do cérebro esquerdo). Portanto, lhe está diminuída a criação, a intuição, a fraternidade que estaria atrelada ao cérebro direito que é alinear e inteligente de maneira sistêmica e não particularizada... ambas porções cerebrais trabalham juntas, mas cada qual só se incentiva se houver os “botões” certos: ou seja, as artes, os quadrinhos, os fanzines que trazem para o cérebro-criativo o alimento que o faz crescer e fazer frente ao cérebro-razão, que se estimula pela pesquisa, conceituação, linearidade etc, e que ao trabalharem juntos, se ampliam, não se aleijando na racionalidade exclusiva, confraternizando-se (e aos outros) e embelezando a vida! Eis porque trazer a cultura da “rua” ao meio acadêmico é importante. Ela se burila com as ferramentas acadêmicas e alimenta este no que lhe falta (a criação e fraternidade). E vice-fanzinersa!

Zines inesquecíveis e novidades na área:
Inesquecíveis são muitos. Desde os temas aos formatos inusitados! Para não ser injusto, vou mencionar o QI do Edgard Guimarães por fazer vez a uma revista que jamais existiu oficialmente em bancas, uma que trouxesse discussões inteligentes acerca de HQs, fanzines e afins, que trouxesse divulgações de lançamentos de HQs nacionais, que trouxesse artigos inteligentes e históricos sobre publicações antigas e que conduzisse HQs inteligentes. O QI tem feito tudo isso como um fanzine, ocupando paratopicamente a lacuna de nunca ter havido uma revista crítica de HQ no Brasil similar!
Viu só? O fanzine QI é vanguarda, traz o que falta e está aí mais de 20 anos provando sua necessidade! Ainda que não em larga escala, ele faz sua função, já que o sistema não permitiu a aparição de algo similar, devido a “n” fatores anteriores, como o preconceito aos quadrinhos etc, mas que aos poucos vão sumindo. As novidades são que os zines estão ainda em mutação e existem em duas vertentes novas além da tradicional de se publicar HQs e afins e textos...
Uma das vertentes é o uso cada vez mais amplo dos fanzines em sala de aula, com projetos interdisciplinares e que deixam os alunos muito estimulados (como exemplo o projeto PEIBÊ de Alberto Souza, o Fanzinaço de Carlos de Brito Lacerda, o Gibiozine de Hylio Laganá e o Biograficzine do saudoso Elydio dos Santos Neto). Os professores e gestores começam a perceber que é uma ferramenta sensacional, embora ainda não tenham percebido que a qualidade dos zines é justamente se colocar no lugar de uma educação criativa que os sistemas educacionais racionais foram solapando. A outra é o zine autoral artístico, que se rivaliza ao livro de artista, mas não fica só nisso: Estimula muitos a produzirem-no como uma arte realmente inovadora, contestadora e que possibilita a seus criadores um domínio criativo conceitual e material, tanto de conteúdo como plasticamente! Grupos e autores já perceberam isso, como o Ugrapress, Law Tissot (criador da Fanzinoteca Mutação) e Edgar Franco (lançando novos zines como o “Uivo” e seus HQforismos). E para finalizar, ainda advirto mais três dados importantes: as Fanzinadas da Thina Curtis; a editora Marca de Fantasia do incrível Henrique Magalhães e o Dia Nacional do Fanzine em 12 de outubro graças a Edson Rontani, cuja data será projeto para oficialização, pois seu filho Edson Rontani já se comunicou comigo para ajudá-lo na tarefa, já que agora existe uma lei para se oficializar datas comemorativas.
É isso no momento
Abração.

Gazy Andraus, SãoVicente/SP, 11/11/14